sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Percebendo o passado

Não há nada como o tempo para ajudar a perceber alguns fenómenos, senão na totalidade pelo menos em parte. Hoje saíram duas notícias/histórias que ajudam a compreender algumas das motivações e razões de acontecimentos dos anos 90.

Mikail Gorbachov, ex-presidente da URSS, vai ser condecorada com a medalha da liberdade 2008, informou hoje o Centro da constituição dos EUA.
O presidente George Bush entregará a medalha ao ex-presidente da URSS a 18 de Setembro em Filadélfia, numa cerimónia dedicada ao 20º aniversário da queda do muro de Berlim.
Não deixa de ser significativo que ao fim deste tempo todo, Bush condecore Gorbachov pelos bons serviços que este prestou ao império e ao capitalismo.

Noutro momento de clarificação do passado, Lech Walesa desabafou nestes termos numa entrevista:

Pergunta: João Paulo II foi o seu maior aliado no derrube do regime comunista?


Resposta: O Papa era a palavra, eu, Walesa, fui o corpo. É preciso entender isso. O Papa deu a palavra e nós transformamo-la em corpo e foi assim que pudemos conseguir a vitória. Não teríamos tido a vitória sem a palavra do Papa, mas só a palavra não chegava e a prova disso é Cuba. O Papa também foi lá levar a sua palavra e não houve ninguém a corporiza-la. Os polacos com a minha liderança conseguiram a liberdade. Conseguimos a unidade da Europa, a globalização.

12 comentários:

Maria disse...

A "medalha da liberdade" só peca por tardia...
Costumam recompensar-se os serviços logo que são praticados...
Enfim...

Silvares disse...

Não vejo qual é o problema com Gorbachov. Ele apenas conseguiu de forma pacífica aquilo que era inevitável, a queda de um sistema político caduco e esgotado. Quanto aos serviços prestados ao sistema capitalista que lhe devia agradecer eram gajos como o Putin ou o Abramovich e não o estúpido cowboy que, ao condecorá-lo, está a fazer a habitual figura de palhaço.

jorge disse...

Para o PC o Gorbachov será sempre um traidor. Nunca compreenderão que o sistema estava falido e esclerosado e que a implosão era inevitável. É mais fácil dizer que a culpa é de outro(s). Se o camelo do Bush lhe quer dar uma medalha que tenha bom proveito, mas isso não diminui a dimensão política de Gorbachov. Às vezes penso que se poderia criar um mundo à imagem da Disneylandia, para alguns comunistas mais nostálgicos, ao estilo do 'Adeus, Lenine'. Que saudades que devem ter do Muro de Berlim e dos tempos em que os tanques soviéticos se passeavam por Praga, já para não falar das paradas com todos os militares alinhadinhos para gáudio de uma colecção de múmias que aplaudia da tribuna com o inevitável gorro de zibelina enfiado nas respectivas monas junto de outros com as peitaças cobertas de medalhas. Mas o mundo mudou e alguns (muitos) ainda não perceberam isso nem nunca perceberão. No entanto, misturar no mesmo saco um político com a dimensão de Gorbachov com um tipo de bigode que mudava umas lâmpadas entre duas Avé Marias e que não passa de um fascistóide católico não me parece justo. Se fosse noutros tempos o homem da mancha na cabeça habilitava-se a fazer uma estadiazita na Sibéria, essa Guantanamo dos soviéticos com pior clima...

Olaio disse...

Silvares quanto à forma pacífica como Gorbachov conseguiu “aquilo que era inevitável”, os recentes acontecimentos na Geórgia com os seus milhares de mortos é bem o exemplo de tal e o culminar de uma série de guerras resultantes do fim da União Soviética. Só na Rússia e sem necessidade de nenhum conflito armado, o aumento da mortalidade, segundo a Organização Mundial de Saúde nos anos 90, foi comparável às mortes provocadas por um país em guerra civil.
Achas mesmo que foi pacífica?

Jorge, o teu problema são os preconceitos, vês que escrevo sobre um tema e nem o lês, tiras logo uma conclusão sem ao menos te dares ao trabalho de interpretar o que escrevo. Experimenta tentar perceber o que quero dizer com esta frase:

“Não há nada como o tempo para ajudar a perceber alguns fenómenos, SENÃO NA TOTALIDADE PELO MENOS EM PARTE.”

Já agora deixo-te um excerto de um Artigo de Álvaro Cunhal sobre o fim da URSS:

“É uma verdade elementar que a derrocada da União Soviética e de outros países socialistas resultou de uma série de circunstâncias externas e internas. Não de igual influência. Pesaram com relevo factores de ordem interna. O facto é que, na construção da nova sociedade, se verificou um afastamento dos ideais e princípios do comunismo, a progressiva degradação da política do Estado e do partido, em resumo, a criação de um “modelo” que, com a traição de Gorbachov, conduziu à derrota e à derrocada .

O “modelo”, que se foi criando, traduziu-se num poder fortemente centralizado e burocratizado, numa concepção administrativa de decisões políticas, na intolerância ante a diversidade de opiniões e ante críticas ao poder, no uso e abuso de métodos repressivos, na cristalização e dogmatização da teoria

Comprometido o poder político da classe operária e das massas trabalhadoras. Comprometida a nova democracia. Comprometido o desenvolvimento económico que, assente na militância e vontade do povo, alcançou um ritmo vertiginoso nas primeiras décadas do poder soviético. Comprometido o carácter dialéctico, criativo, criador, da teoria revolucionária, que tem necessariamente de responder às mudanças das realidades e às experiências da prática.”

Se quiseres ler o texto todo, não é grande e é um dos últimos textos teóricos de Cunhal com o título
“As seis características fundamentais de um partido comunista”
Podes ir a este endereço

http://www.dorl.pcp.pt/images/classicos/ac_6caracteristicasdumpc.pdf

Quanto à dimensão politica desse senhor Gorbachov, o contexto da sua foto que ilustra o post é igualmente ilustrativa dessa dimensão…zinha.

Enfim um traidor e um tipo que se vende é e será sempre,em qualquer parte uma miséria de homem!

Olaio disse...

Há e quantos aos muros, seria bom que aqueles que continuam a falar de um que já foi abaixo, tirassem as devidas ilações sobre aqueles que no presente constroem muros mais altos e vergonhosos nas terras da Palestina!

jorge disse...

“Não há nada como o tempo para ajudar a perceber alguns fenómenos, SENÃO NA TOTALIDADE PELO MENOS EM PARTE.”
Escolheste esta citação que, pela sua ambiguidade, não te confere razão no que quer que seja; acho, pelo contrário, que justifica o meu ponto de vista. Quanto ao vosso santo prefrido, o Cunhal, não lhe reconheço autoridade especial para o ter em tão elevada consideração. E mais uma vez te lembro que se há problemas étnicos na ex-URSS, ao homem da bigodaça se devem. Quem deslocou sucessivamente populações, foi ele. Também experimentou a 'solução polaca' (Katyn, 22000 mortos, com o agradecimento dos nazis), mas isso deixava muitos corpos...Tu sabes isso, como toda a gente, e essa é a génese dos problemas. O problema do Partido Comunista (não do comunismo como sistema, uma vez que se trata de coisas diferentes) é a recusa da autocrítica e o autismo político em que se encerra. Como qualquer seita de cariz religioso, julga-se o detentor da verdade única e absoluta, sendo todos os que dele discordam ignorantes da política ou pior, traidores como o Gorbachov. E será sempre assim até à sua extinção natural pois já se revelaram incapazes de entender a história.
PS Eu condeno os DOIS muros, o actual e o outro, abertamente, como medida digna de fascistas. E tu?

Olaio disse...

Pois é Jorge, o teu problema é mesmo o preconceito.
Tens uma ideia mais que formatada (que te formataram?) acerca de certos temas, dizes que os comunistas pensam assim e assado, uma pessoa explica-te que não é bem assim, indico-te um texto de uma pessoa, que não é um qualquer comunista, mas sim alguém que na matéria marcou pelo menos os comunistas em Portugal e tu que respondes:

"Quanto ao vosso santo preferido, o Cunhal, não lhe reconheço autoridade especial para o ter em tão elevada consideração."

Realmente para perceberes o que os comunistas pensam deves preferir o Pacheco Pereira ou o Lech Walesa.

E como não vais mais longe do que os preconceitos, afastastes dos assuntos e a propósito sabe lá Deus do quê, vais buscar "Katyn" e a seguir vais buscar outro coisa qualquer e ainda acabamos a falar do Chavez. Porque na verdade és incapaz de discutir um assunto, porque... não vais mais longe que o preconceito.

Enfim

jorge disse...

O meu comunista preferido não é o Pacheco Pereira (!) nem o Walesa (leste o que eu disse sobre ele?) é o Lenin, mas para o consultar, só com um medium... Quanto à ideia 'formatada' de como pensam os comunistas, desculpa Olaio, mas tu és um bocadito culpado dessa minha maneira de pensar. Quando penso em votar no PC vens tu, dás-me um 'banho de realidade' e desenganas-me. Obrigado por isso. Quanto às tensões étnicas que acontecem na ex-URSS estamos conversados. Só não admites que a culpa é do José porque... era comunista(!). O Saaskachvili é um fascista. De acordo. Mas o Putin não passa de um autocrata. Aqui já não estamos de acordo, penso eu. Desculpa lá não venerar o Cunhal, mas eu não tenho santos da minha devoção e quanto ao Chavez, deixa o homem em paz, que está a gravar os Greatest Hits do seu 'show' 'Alô Presidente' para editar lá para o Natal, além de estar preocupado com a iminente invasão americana... Ah, é verdade, diz-me lá claramente se condenas os dois muros ou só o dos israelitas. Eu já fui directo na minha apreciação. Seria esclarecedor, se respondesses sem ambiguidade...

Olaio disse...

Ninguém está a dizer ou a sugerir que veneres o Alvaro Cunhal, longe de mim tal ideia, simplesmente gostaria de saber se tens alguma coisa a referir ao texto dele que coloquei atrás e que era a resposta às questões (banalidades) que colocaste sobre a visão dos comunistas acerca do fim da URSS, ou preferes continuar a debitar a lenga lenga dos preconceitos e a fugir ao debate?

jorge disse...

"O facto é que, na construção da nova sociedade, se verificou um afastamento dos ideais e princípios do comunismo, a progressiva degradação da política do Estado e do partido, em resumo, a criação de um “modelo” que, com a traição de Gorbachov, conduziu à derrota e à derrocada ."
Para fazer um breve comentário: o sr. reconhece a 'degradação da política do estado e do partido'. Ok. Mas o 'traidor' é o Gorbachov. daqui se pode concluir que, se não houvesse 'traição' as coisas continuariam naquela paz podre social que a URSS vivia. A semântica é uma coisa tramada...
Outra coisa: não respondes à questão que já te coloquei DUAS vezes acerca do(s) muro(s) porquê? Não te esqueças que a primeira pessoa a referir isso neste blog foste tu para 'cascar' nos judeus e eu igualei os muros no que respeita ao princípio inaceitável de cerco de uma comunidade.... Explica-te lá.

Olaio disse...

Tiras as conclusões erradas das afirmações do Álvaro Cunhal! Segundo ele, o factor fundamental do fim do regimes socialistas da Europa de Leste é “…a progressiva degradação da política do estado e do partido…”, o facto de existir um Gorbachov nesta estória é um mero “pormenor” da história, podia muito bem ter sido um outro qualquer “pormenor” a originar este desfecho. O determinante para um marxista-leninista, não é uma pessoa mas sim os grandes movimentos e estruturas sociais. É claro que a afirmação anterior funcionando como regra não elimina as excepções.
Aliás o facto deste post juntar Gorbachov e o papa não é inocente e em si demonstra que o problema era muito mais vasto e distinto de um fenómeno de implosão como tu afirmas.

Em relação aos muros, já tivemos oportunidade de falar sobre isso e de expressar a minha critica, no entanto acho disparatado e um pouco demagógico afirmar que ambos os muros são “dignos de fascistas”, isso só pode servir para confundir e omitir as distintas razões que estão na sua origem.
O muro da Palestina é erguido por uma potencia ocupante, no território do ocupado arretalhando e dividindo o que resta do território em poder dos palestinianos, transformando-o numa prisão onde é impossível subsistir autonomamente. O Muro visa manter e aprofundar essa situação criminosa.
O muro de Berlim, surge no desenvolvimento da guerra-fria, declarada por Winston Churchill e tinha como objectivo defender as democracias populares, com o tempo e com a degradação dos regimes, o muro perde o sentido e transforma-se numa forma de manter e aprofundar a degradação dos sistemas.

Aliás ainda há mais muros que falar: na Fronteira dos EUA com o México; o muro que os EUA impuseram a Cuba com o bloqueio; os muros que os países europeus levantaram para impedir as populações africanas de chegar à Europa…

jorge disse...

Essa de o muro ter como objective defender 'as democracias populares' (a propósito, o que é isso? A ex RDA? Chamar-lhe democracia popular, só se for por piada...) já é velha. Citando novamente o filme 'Adeus Lenine' ainda vais acabar por dizer que servia para impedir os ocidentais desiludidos com as políticas dos seus países de origem de entrarem massivamente no paraíso terrestre que era a RDA. No entanto, a tua resposta é esclarecedora na sua tortuosa construção e está de acordo com aquilo que eu pensava. Parafraseando o Gorge Orwell no 'Triunfo dos Porcos' "Todos os muros são iguais, mas uns são mais iguais que outros". É como nas 'democracias populares'. Todas as pessoas são iguais mas há uma diferença entre a esclarecida classe dirigente do partido e a população em geral, tanto no acesso aos bens de consumo como no estilo de vida.