sábado, 29 de março de 2008

Hoje muda a hora

Uma história exemplar.

Para poupar energia as autoridades do país determinaram que às zero horas do dia vinte e cinco, os relógios se atrasavam uma hora, passando a marcar as vinte e três horas do dia vinte e quatro. Deste modo as pessoas que se levantassem às sete horas do dia vinte e cinco, não tinham que acender luz alguma, porque na realidade seriam oito horas e o Sol já estaria em plena actividade.

Quando chegou o momento, as zero horas do dia vinte e cinco, as gentes de Santa Bernardina del Monte, obedientes como eram, atrasaram os seus relógios uma hora. Eram então, ou voltaram a ser, as vinte e três horas do dia vinte e quatro. Uma hora depois os relógios voltavam a marcar as zero horas do dia vinte e cinco. As gentes de Santa Bernardina del Monte, obedientes como eram, atrasaram os seus relógios uma hora. Voltaram a ser então, as vinte e três horas do dia vinte e quatro. Uma hora depois, os relógios voltavam a marcar as zero horas do dia vinte e cinco.

- Que faço, mamã? – Perguntou uma criança – atraso o relógio?
- Claro filho: devemos ser respeitosos das disposições da autoridade – afirmou a mãe.

Todos os habitantes de santa Bernardina del Monte agiam respeitando este preceito, mas uma hora depois os relógios voltavam a marcar as zero horas do dia vinte e cinco. Novamente os pacíficos habitantes de Santa Bernardina del Monte atrasaram os seus relógios uma hora. Punham-se então a esperar a passagem dos sessenta minutos que faltavam para voltar a atrasar os relógios, mas alguns tinham sono e foram dormir, não sem antes estabelecer turnos de tal modo que havia sempre alguém desperto à hora de atrasar o relógio.
Na manhã seguinte continuavam a ser vinte e três horas do dia vinte e quatro. Uma hora depois eram zero horas do dia vinte e cinco e imediatamente depois, voltavam a ser vinte e três do dia vinte e quatro. Faltavam nove horas para que abrissem as oficinas e os comércios. Uma hora depois faltavam oito, mas em menos tempo do que tardava um galo a cantar, e efectivamente já havia muitos galos a fazê-lo, voltavam a faltar nove.

Os habitantes de Santa Bernardina del Monte, a manter-se este estado de coisas, iriam morrer de inanimação. No entanto muito diferente foi a causa da sua morte. Três dias depois da mudança de hora, um funcionário do governo central que passava pela povoação, interpretou a atitude das pessoas daquele lugar como uma greve geral por tempo indeterminado, e deu disso parte aos seus superiores. Pouco depois, dez mil soldados entraram com helicópteros e tanques em santa Bernardina del Monte aniquilando os insurrectos.

Os relógios do povo, ficaram então divididos em duas categorias: os que avariados pelas balas, ficaram parados numa hora entre as vinte e três e as vinte e quatro, e os que seguiam marchando livremente, podendo chegar muito mais além das zero horas sem que ninguém os voltasse a atrasar. De todo o modo algumas horas depois eles sozinhos voltavam a marcar as vinte e três, como se sentissem nostalgia dos seus disciplinados donos, que em paz descansavam.

2 comentários:

Silvares disse...

Ora aí está uma coisa esperta! Bem me queria parecer que entre o Tempo (com "T" destes) e o tempo (com "t" daqueles)dos relógios não havia mais que um parentesco afastado, coisa mais própria de funcionários do estado de coisas que de ser obra do Divino. Abrenúncio.

Anónimo disse...

Pois, o tempo...

O tempo é aquilo que dele fazemos.
Há vários instrumentos para medir o tempo e que dependem do tempo que temos para viver o nosso tempo de vida.
Há os minutos de espera que medem anos de ansiedade.
Há os minutos de silêncio que duram anos e marcam como facadas.
Há os minutos mágicos de um olhar e que duram a Eternidade.
Há os anos juntos, lado a lado, em que a contenporaneidade é só sinónimo de coincidência.

Com o passar das horas ficamos mais despidos de inveja,de adereços, e de vaidade?
È essa a Hora que precisamos de mudar!
Nós,continuemos sem relógio.